Novas reflexões críticas sobre nossa organização sociopolítica
contemporânea
Jefferson Batista Viscardi1
Resumo:
Considerando o percurso total de nossa organização sociopolítica contemporânea
a nível planetário, o presente trabalho explora através de reflexões críticas,
possibilidades condizentes com as conquistas humanas no campo científico,
tecnológico e intelectual. Embora à base de nosso artigo estejam as descobertas
e preocupações socioculturais, de design: industriais e econômicos de dois engenheiros
sociais: Jacque Fresco e Buckminster Fuller, respectivamente elucidativos,
extraímos de A República de Platão
importantes direcionamentos. Trata-se de compreender as visões “alternativas” e
sustentáveis de uma sociedade saudável, apresentando um cenário onde pela
tecnologia sanaremos nossas necessidades básicas (e avançadas); reverteremos a
destruição acelerada do meio ambiente e por consequência encontraremos na
solidariedade a paz e a prosperidade em nossas relações que a ética de
imposição de vontade não pode fornecer-nos. Este artigo tem como propósito
elucidar o leitor acerca da carência de processos lúcidos que evidenciem e, a
uma só vez, explorem o potencial humano apontando para a existência de falhas
graves e alternativas que, mais que importantes, são essenciais para sua
subsistência, a longo prazo, em harmonia com o meio em que vive. Explora novas
reflexões críticas sobre nossa organização sociopolítica contemporânea que com
novas e prementes exigências não suportará servir o novo homem e sua nova ética
de relacionamento interpessoal e ambiental com estruturas ultrapassadas e
ineficazes.
Palavras-chave: filosofia
política, engenharia social, sistemas econômicos alternativos, sociedade
baseada em recursos, Jacque Fresco, Buckminster Fuller, Platão,
sustentabilidade planetária, redirecionamento sociocultural.
O ciclo do
consumo que orienta o triângulo empregado, empregador e oferta e procura (na
sua base), exige a manutenção da obsolescência planejada para continuar a
existir. Em poucas palavras, obsolescência planejada é o termo que se refere à
existência de uma atitude empresarial generalizada voltada para produção de
bens com qualidade inferior a habilidade humana e sua capacidade material e
tecnológica. O objetivo desta prática, gera um volume de vendas duradouro
reduzindo o tempo entre compras sucessivas. Conforme nos informa Packard (2011,
p. 187), são três formas de se promover obsolescência: por função, durabilidade
e desejabilidade. A primeira forma, a obsolescência funcional, não é
prejudicial, mas sim muito bem vinda. Ocorre quando um produto é substituído
por um novo modelo que tenha desempenho superior, incentivando assim a
inovação. Já a obsolescência por durabilidade é firmemente criticada por
Packard. Neste caso os fabricantes, intencionalmente, reduzem a vida útil de
seus produtos para aquecer o mercado de peças de reposição ou mesmo para que
sejam substituídos ainda mais rápido. Na obsolescência por desejabilidade, abusa-se
da moda para induzir o consumidor a substituir um determinado objeto a cada
nova troca de estilo, mesmo aqueles que estejam funcionando perfeitamente.
Assim
sendo, este modelo industrial de produção destrói o planeta e torna os humanos
meras ferramentas, a humanidade converte-se em um meio e não o fim em si e é
assim que melhor se interpretaria desde o início deste século.
Suponhamos
que a inteligência avance e a tecnologia substitua o trabalho ou que os
produtos não estragassem tão facilmente, teríamos o cenário onde a "mão
invisível" de Adam Smith, ficaria desocupada e o colapso da economia
capitalista deixaria sua população desinformada em absoluto caos, porque com o
avanço tecnológico o ciclo consumidor produção e consumo se estancaria e o
desemprego tiraria o poder de compra que uma vez inibido resultaria na
impossibilidade de produção e portanto ganho por parte do empregador. Por isso,
a inteligência não pode avançar e nossas práticas devem suportar a estrutura de
um sistema criado para uma civilização de um século atrás. O medo do próximo,
do poder balístico governamental ou da escassez nos ensina ser passíveis a
comportamentos que não condizem com princípios de soberania, igualdade ou
fraternidade. Fazer menos do que somos capazes nos confere todo tipo de
distúrbio mental, emocional e déficits em nossos relacionamentos.
Segundo Mészáros (1995, p. 77):
[...] o caráter
crescentemente destrutivo da produção capitalista, a intensificação da
obsolescência planejada, a cada vez mais intensa perdularidade do capital no
trato dos recursos naturais e sociais se chocam, de modo escandaloso, com o
fato de sermos uma humanidade finita, que habita um planeta finito, com
recursos finitos e com um equilíbrio ecológico cada vez mais ameaçado. É
inconcebível que possamos, ad infinitum, desconsiderar os limites
planetários e sociais à expansão da produção e do consumo e, por tabela e com
urgência ainda maior, que possamos desconsiderar a perdularidade do atual modo
de produção.
O
que se opunha a maiores divagações (hipotéticas que fossem) em estudos de
nossos antepassados da filosofia política e das ciências econômicas eram as
barreiras técnicas já que não haviam pontos de referência no cabedal científico
que desse suporte à postulações mais desafiadoras como aquelas que são
construídas por pessoas informadas. Como a evolução humana não dá saltos, foi
necessário construir sobre as bases de cada tempo. Hoje temos a capacidade e o
dever de empreender a mesma viagem, mas agora com a responsabilidade de pagar
caro pelo descaso ou indiferença para com a urgência e importância da
problemática em questão, ao ponto de sentir na pele o resultado de nossa
passividade para com adversidades que nos tocam mais intimamente que qualquer
passatempo interiorizado como importante pela cultura desorientada que nos
corrompe fruto de práticas ultrapassadas.
Para
não nos aventurarmos nas águas da ontologia e da epistemologia e manter o foco no
propósito que visamos empreender, o de buscar entender as razões porque o
presente sistema e seus imensos desperdícios não podem mais servir ao próximo
passo, ao próximo capítulo do desenvolvimento moral e intelectual da
humanidade, é preciso concordarmos que o planejamento e a capacidade de decidir
agir em conformidade ou não com a natureza e seus imperativos sempre nos
separou em consciência com as outras formas de vida "menos
privilegiadas". O que fizemos até hoje com nossa habilidade de prever o
final de uma viagem de tamanha proporção como é essa da raça humana a caminho
de sua possível destruição espetacular, foi achar que separados sempre
estivemos melhores que mal acompanhados.
Assim,
não foi preocupação tratar nossos chagas por achar que a doença é sempre do
outro e que o que vem de baixo não atinge. Na condição de tripulantes de uma só
embarcação é ilógico tal comportamento. Somos portanto um só organismo, o
coletivo humano que somente subsistirá se assimilar o conceito de unidade a nos
conjugar a vida desde o berço..
Porque a nossa
iniciativa espontânea foi frustrada, muitas vezes inadvertidamente, em tenra
idade, não temos a tendência, normalmente, a se atrever a pensar de forma
competente a respeito de nossos potenciais. Achamos socialmente mais fácil ir
com a nossa estreita, míope especialização e deixar aos outros - principalmente
para os políticos - a responsabilidade de encontrar alguma maneira de resolver
nossos dilemas comuns. (FULLER, 2008, p. 1) [tradução: Jefferson Viscardi].
A
razão de ser assim é explicada de várias maneiras também por Jacque Fresco, mas
uma coisa é tida como certa: “há uma ordem a qual não podemos resistir que com
o tempo toma tudo o que dá”, como já dizia Giordano (BRUNO 2006). Em comum,
temos a condição de pertencermos a um processo da natureza que se desdobra
seguindo leis perfeitas a manter a velocidade e distância entre os astros
celestes, assim como traçar os limites aos abusos descomunais terrestres. Sem
entrar em mérito sobre o motor imóvel, a ciência nos avisa que um impulso
natural nos move e anima e a razão confirma: crescer moral e intelectualmente
multiplicando o conhecimento, a sabedoria como propósito de nos emanciparmos já
era algo que preocupava nossos filósofos no século XVI e há centenas de anos antes
de Cristo.
O
mais natural em nossos dias seria admitir que o que realmente precisamos é
conhecer a nós mesmos. Isso nos livraria de muitos contratempos improdutivos
que nos aprisiona em dramas de controle que expressamos inadvertidamente na tentativa
de encontrar um lugar que nos seja cabível neste mundo sem nos distanciarmos
muito daquilo que é praxe, que é senso comum, que é observado como norma do bom
cidadão que se presa; que é o verniz externo a nos engomar o ego nos absurdos
que somos condicionados a anuir, condescender.
Em
nossas interações, a palavra "precisar" tornou-se sinônimo de um
desejo superficial induzido por costumes e crenças tão irresponsáveis quanto
obsoletas e irrelevantes para o bem-estar individual e sobretudo social. Serve
de lenha, no entanto, para manter a máquina do consumismo atravessando os
sertões do amadurecimento e excluindo a chance de uma visão saudável, a todo
vapor. Vejamos um exemplo: aprendemos já no ensino médio e superior que o homem
é guloso por natureza. Isso no curso mesmo de economia de muitas universidades.
Primeiro ele tenta satisfazer suas necessidades básicas: alimentação,
vestuário, moradia... Depois, passa a desejar outras coisas: um carro, uma casa
maior, uma viagem de férias... ou seja, adotando o discernimento materialista e
desinformado, na prática, ele nunca está satisfeito pois aprendeu a buscar a
felicidade onde esta fisicamente não se encontra.
O
problema social é assim, fácil de identificar. Como não há recursos para tanta
gente com "necessidades" ilimitadas surge a teoria da escassez
considerando a restrição de recursos disponíveis. Como os recursos são
limitados, nem todas as "necessidades" poderão ser atendidas. Daí a
existência de um estudo (economia) onde a "sociedade decide" o que
produzir, como produzir e para quem produzir.
Como
o propósito de todo organismo vivo é continuar existindo, ao invertermos os
valores e atribuir à falta de recursos esta nossa luta e labuta pelo escasso,
jamais viveremos em paz ou em segurança, para nos ocupar com afazeres mais
sublimes. Precisamos aprender que o coração sem o rim não vive, não interessa o
grau de importância de cada órgão. Precisamos entender que a falta de recursos
não nos exige o comportamento selvagem para subsistir mas a cooperação para
multiplicar nossa habilidade de servir a todos satisfatoriamente.
Se
temos tudo o que precisamos para prover o básico a subsistência da vida humana
e uma educação relevante que contemple a capacidade individual de todos nós,
devemos compreender e informar a todos sobre este potencial em ato
(possibilidade já realizada) para que a orientação deixe de ser infantil (quero
mais) para ser madura (ajudo mais). O que nos cabe compreender primeiramente no
entanto, é que a mudança que precisamos é mais importante que acreditamos ser e
que cada individuo tem sua parte a desenvolver seja na elucidação pessoal ou no
exemplo que se deve dar de que, apenas atrasamos o nosso progresso enquanto
agimos separados e ignorantes de nosso verdadeiro potencial. Cabe compreender
que toda ação desinformada tem um preço: o aprendizado com os contrastes que a
vida nos apresenta. É nosso interesse ser a mudança, entender nosso papel e
regenerar o planeta elevando nossas práticas ao nível de nossa habilidade
presente de respeitar a vida, a natureza e seus processos providenciais.
O paradoxo social
de uma visão ultrapassada
Para
muitos a resposta para com a disparidade de nossos meios de produção e métodos
de aplicação do conhecimento quando contrastados com nossa real capacidade, se
encontra no mecanismo de regulação onde governo e mercado interagem juntos na
busca da solução dos problemas econômicos. Conforme a oferta e a procura os
preços sobem ou descem seguindo uma ética mercadológica na esperança infantil
de encontrar nisso um equilíbrio que justifique o conhecimento humano atual.
Não há problema que se resolva sem a antecedente habilidade de identificá-lo; é
preciso conhecer o que queremos erradicar. Pois bem, a resposta não pode recair
sobre políticos ou nobres pois isso acarreta o abuso do poder e tampouco deve
ser fruto de democracia pois isso gera mediocridade.
Não
pretendo, na brevidade de minhas palavras, ser conclusivo quanto a solução mas
se confrontarmos honestamente nossas possibilidades e ferramentas úteis de
nossa época, a lógica e a razão nos responderão. Não faz sentido deixar as
decisões cabíveis à ciência nas mãos de políticos ou meia dúzia de cientistas
patrocinados para investir o conhecimento e intelecto na criação de mais
problemas pelo lucro ambicioso por trás de tais engajamentos. Se o ambiente em
que nascemos e no qual crescemos formata nossos desejos e nos enche de
angústias que anseiam em ser eliminadas através do consumo motivado por
"necessidades ilimitadas", estaríamos fadados a destruir o planeta
mais cedo ou mais tarde.
Assim
a resposta pode estar na abundância que mudaria nossos medos e incertezas,
educando a atenção para nossa necessidade verdadeira de progresso pessoal e
social trazendo-o para a frente da fila de nossas prioridades. Isso por sua
vez, seria possível com a eficiência tecnológica a favor da consciência humana.
[...] devemos ousar imediatamente para voar pelos
princípios generalizados que regem o universo e não por regras
pre-estabelecidas dos reflexos supersticiosos e erroneamente condicionados de
ontem. E quando tentamos pensar competentemente, nós imediatamente
começamos a voltar a empregar o nosso impulso inato para abrangente compreensão.
(FULLER. 2008, p. 18) [tradução Jefferson Viscardi].
Por
sermos um organismo interdependente, o prejuízo de um afeta os demais e daí a
estarmos cumprindo com o dever ao servirmos ao próximo na pessoa de quem seja.
Vivemos em regime de suportabilidade. Detestamos as surpresas desagradáveis que
surgem como resultado de decisões desinformadas da parte de quem tem o poder e
as que surgem da atitude desinteressada da parte de quem supostamente dá o
poder. A necessidade de sobrevivência em um ambiente dinamizado por
condicionamentos voltados ao consumismo e a manutenção do status quo, torna o intelecto passível de atrofiar-se perdido em se
proteger e buscar o prazer celebrando a ignorante habilidade de subsistir com
migalhas que não fazem jus ao seu potencial.
Há uma passagem no Livro
III de A República de Platão (Tradução: Enrico Corvisieri, 1997,
p. 111), onde no diálogo de seus personagens: Sócrates e Glauco, encontramos
uma ilustração cabível:
Sócrates — É o que vou explicar-te. A coisa mais
terrível e vergonhosa que os pastores podem fazer é treinar, para os ajudarem a
cuidar do rebanho, cães que a intemperança, a fome ou qualquer hábito vicioso
levariam a fazer mal aos carneiros e a se tornarem iguais aos lobos dos quais
os deveriam proteger.
Glauco — Nada mais terrível.
Sócrates — Não devemos tomar todos os cuidados
possíveis para que os nossos auxiliares não se comportem deste modo com os
cidadãos, dado que são mais fortes do que eles, e não se tomem iguais aos
senhores selvagens, em vez de permanecerem aliados protetores e defensores?
Glauco — É essencial prevenir esses fatos.
Pois
bem! O dinheiro como recurso indireto sem lastro em ouro se tornou um
instrumento simbólico e sem valor real. Quando sua fabricação ficou subjetiva
às leis, as regras que o regulavam foram colocadas à prova e o sistema deu
atestado de óbito para a república parlamentarista monetária, sonhada por quem
idealizou o capitalismo baseando-se no livre comércio e o bem comum. A partir
daquele evento a corrupção teve suas algemas afrouxadas e até hoje reina
soberana as custas da ignorância geral. No país mais rico do mundo, por
exemplo, o dinheiro é fabricado por uma empresa privada (uma gráfica encabeçada
por supostos peritos em economia apontadas pelo presidente: "A Reserva
Federal" ) que nunca precisou prestar contas de maneira absolutamente
transparente do quanto e para quem imprimia notas de dinheiro válidas por
verdadeiras.
Ao
passar das décadas, o mundo se viu endividado e o abismo entre ricos e pobres
aumentou exponencialmente. Considerando estas variáveis, a palavra adquirir não
é um verbo disponível para a contemporaneidade já que apenas emprestamos o que
não tem valor e se quer necessitamos para nos ver endividados e comprometidos
com a ignorância por ter que trabalhar sem cessar para satisfazer
condicionamentos artificiais. Condicionamentos que não contribuem para nossa
emancipação ou progresso social pois gera apenas desperdícios por estar
formatado para servir apenas uma minoria.
Assim
se o dinheiro não é essencial para obtermos os recursos que necessitamos e como
nossas necessidades reais se resumem em poucas, deveríamos ser capazes de
organizarmo-nos diferentemente de forma a canalizar nosso conhecimento para
sanar as redundâncias e inconsistências com a aplicação de tecnologia voltada
para o desenvolvimento social e sustentabilidade ambiental.
Como
a sociedade é um resultado dependente da soma de seus indivíduos (e do meio que
a cerca), para ser capaz de emergir, ela deve possuir mecanismos que tornem
isso possível. Ou seja, ela deve ser capaz de satisfazer dinamicamente suas
necessidades tangíveis e intangíveis respeitando o equilíbrio dinâmico imposto
pela natureza. E sem entender que diariamente criamos mais e mais necessidades
de satisfações artificiais que custam dinheiro que custa trabalho, vendemos
todo nosso tempo e somos empregados na produção de produtos fadados ao
desperdício, seja do intelecto, do tempo ou dos recursos materiais. No Livro IV
de A República de Platão (Tradução: Enrico Corvisieri, 1997, p. 122)
encontramos:
Sócrates — E não é um traço engraçado deles o fato
de considerarem seu pior inimigo aquele que lhes diz a verdade, isto é, que,
enquanto não renunciarem a embriagar-se, a encher-se de comida, a entregar-se à
libertinagem e à preguiça, nem remédios, nem cautérios, nem simpatias, nem
amuletos, nem outras coisas do mesmo gênero lhes servirão de nada?
Adimanto — Na verdade, esse traço não me parece
nada engraçado, dado que não existe graça em irritar-se contra quem dá bons
conselhos.
Sócrates — Pelo que vejo, não és um admirador de
tais homens.
Adimanto — Juro que não, por Zeus!
Assim
nos organizamos, educamos nossos filhos para serem servidores e não pensadores.
Aprendem a exercer profissões mecânicas e não a solucionar problemas. Sequer
sabemos ler, escrever ou contar dinheiro ao sairmos do ensino fundamental. Na
faculdade nos especializamos e ao longo de sete anos nos tornamos super peritos
em quase nada. Vivemos correndo para pagar contas e suprir compromissos que não
condizem com nossa necessidade real de crescimento e solidariedade. A escassez
nos torna individualidades animalizadas na corrida pelas migalhas de pão que
caem da mesa de “nossos mestres” (paixões inferiores condicionadas). Vivemos
acorrentados as satisfações superficiais dos sentidos e não nos damos conta.
Por
fim, deveríamos concluir que não nos organizamos, somos organizados a conformar
e quando a educação alcança certas pessoas pelo seu esforço ridicularizamo-las.
Aplaudimos apenas os zumbis que se arrastam como nós e os vampiros a nos sugar
diariamente nos impostos e taxas mil. Política e economia são
inter-relacionadas, uma sustenta a outra. Todos os indivíduos humanos são
integrantes da mente e corpo social. Nesta perspectiva generalista as pessoas
são compreendidas como células sociais de um organismo maior do que a soma de
suas partes: a humanidade.
O
paradoxo de uma visão social ultrapassada reside justamente no fato de ser o
povo que ignorante e cada dia mais condicionado o agende que deve salvar-se a
si mesmo de um colapso que a cada dia lhe ameaça a tranquilidade fantasiada
pelos meios de comunicação em massa que na sua maior parte serve a agenda de
mais gente ignorante. Enquanto continuarmos agindo como se fosse natural
existir perdedores enquanto rimos de suas derrotas ao invés de unirmo-nos na
busca de soluções, seremos como o tirano injusto da república de Sócrates:
aqueles que sofrem mais pois nosso caso é involuntariamente que nos fazemos
vítimas de nossa cultura.
A prática da oferta e da procura criou uma aberração previsível como um furo no
sistema capitalista que nos custa muito. Como aquilo que é escasso tem mais
valor, não damos a devida atenção para o que existe em abundância e não há
motivação para substituir determinado componente de um produto por outro que
tornaria tudo tão barato ao ponto de não compensar fabricá-lo já que a
prioridade nas relações comerciais é sempre o lucro. Muito progresso foi
barrado desta forma assim como pesquisas descontinuadas pois a relevância ou o
sucesso de determinado empreendimento científico não está em ser útil para
humanidade mas lucrativo para quem investe sua fortuna a ânsia de criar mais. O
erro não está em agir assim como indivíduo, mas em não buscar enquanto
sociedade uma solução para que todas nossas atividades sejam voltadas para o
benefício mutuo verdadeiro e "desinteressado".
Um grande
somatório de problemas
A
vantagem de termos um corpo econômico é a de manter a harmonia nas trocas e relacionamentos,
para que adaptados e protegidos possamos dar continuidade e evolução aos
interesses que contemplem a família, a amizade, a saúde e o espírito. Não pode
ser o propósito maior acumular cada vez mais enquanto outros se veem
destituídos de possibilidades de viver dignamente por terem nascidos no outro
lado da cidade.
A
ideia de corpo conjuga uma simbiose de funções individuais interligadas que
cooperam para a subsistência do todo por sua adequada disciplina e foco no que
importa e dá resultado. A divergência em pontos de vista jamais deveria impedir
a ciência com o uso de seus métodos de confirmação e constatação de um fato
como verdade, de falar em linguagem imparcial, direta e portanto não sujeito a
interpretações que pudesse assumir a frente do progresso da humanidade. Porque
somos menos que podemos graças aos condicionamentos a que nos expomos
constantemente pela fraqueza de nossas aptidões intelectuais e morais, está
claro que não nos importa o bem geral e assim o avanço, o progresso depende do
interesse e o interesse é movido pela perspectiva de lucro. Ninguém melhor que
Platão para ilustrar esse ponto com maestria:
Sócrates — Pode a injustiça ser outra coisa que
não uma sublevação dos três elementos da alma, uma confusão, uma usurpação das
suas respectivas tarefas, a revolta de uma parte contra o todo para conquistar
uma autoridade à qual não tem direito, visto que a sua natureza a destina a
obedecer àquela que foi gerada para governar? E daí, afirmamos nós, é dessa
perturbação e dessa desordem que se origina a injustiça, a intemperança, a
covardia, a ignorância, enfim, todos os vícios.
Glauco — Com toda a certeza.
(PLATÃO. A
República. Livro IV, p. 145)
Em
resposta aos sintomas representados por nosso desequilíbrio social temos as
seguintes observações a nos assombrar. São eles: Sistema monetário: parcial
distribuição das riquezas; Educação: irrelevante, voltada para formar máquinas
e não pensadores; Informação: direcionada ao consumismo e desgraças; Valores:
invertidos dirigidos pela satisfação das inclinações animais; Saúde mental:
comprometida pela superficialidade e ausência de propósito; Saúde física:
comprometida pela autonegação necessária ao sucesso; Dinheiro: ferramenta de
controle nas mãos de quem fabrica e seus amigos; Comunicação em massa: agentes
de desinformação, formadores de opinião; Entretenimento (prazer): Razão de
viver e trabalhar. Trabalho: atividade consumidora de tempo e cansativo;
Ciência: ferramenta de imposição de poder e controle; Obsolescência Planejada
Utilitária: se trata de recursos serem produzidos intencionalmente para quebrarem
em pouco tempo. Incompatibilidade geral, matéria-prima de baixa qualidade e
designes ineficientes são algumas características recorrentes; Obsolescência
Planejada Psicológica: o uso de incentivos para a compra orientada pela
novidade em si, sem relação direta com parâmetros utilitários. Publicidade e
lançamentos periódicos de produtos com mudanças superficiais são algumas
características também recorrentes. Consumismo e proliferações tecnicamente
desnecessárias de recursos tangíveis são sintomas comuns; Automação: diminui
empregados e aumenta miséria mundial.
Em
outras palavras, tudo assumindo a direção de nossa carruagem, exceto quem teria
melhor condições de acerto e consistência pontual.
Sócrates — Muito bem! Não percebeste como são
ridículas as opiniões que não se baseiam na ciência? As melhores são cegas. Vês
alguma diferença entre cegos que seguem pelo caminho certo e aqueles que
possuem uma opinião verdadeira a respeito de alguma coisa, mas sem ter a
compreensão dessa mesma coisa?
Adimanto — Nenhuma.
(PLATÃO. A
República. Livro VI, p. 215)
Entre
bárbaros ou civilizados, não é difícil qualificar uma raça que não toma conta
se quer de seus próprios concidadãos. Enquanto houver guerras haverá vencedores
por imposição de força que levou este ou aquele a criar inimigos que com o
tempo (depois da derrota), se fortalecerão e revidarão na primeira
oportunidade. A cooperação a nível global é algo que jamais testemunhamos e não
podemos ter a pretensão de encontrá-la em uma sociedade tão doente que como os
loucos acredita estar sã. Isso quer dizer que vivemos na sombra de nossa grande
pequenez, ávidos de um mundo que não nos empenhamos em construir, lamentando os
prazeres que não gozamos correndo atrás de maior bitolação. Perpetuamos com
esse comportamento tão ignorante quanto ingênio e o uso dos recursos (economia)
de modo exploratório, como se eles fossem infinitos nos aprisiona na corrida
dos ratos (matar uma fome que declaramos imortal: mais satisfação que o
dinheiro possa comprar).
Toda
vez que deixamos nossa baixeza nos representar – seja na pessoa dos políticos
ou de nossas próprias limitações quando não somos disciplinados quando
deveríamos –, somos mal posicionados pois tudo que é fruto de opinião que tem
como objetivo o engrandecimento de um órgão específico do corpo ao invés do
todo, falhamos em nossa missão de ver além dos condicionamentos que nos cegam
sem perdoar.
Sócrates — E, evidentemente, a prudência nas
deliberações é uma espécie de ciência; de fato, não é por ignorância, mas por
ciência, que se delibera bem.
Glauco — Claro.
(PLATÃO. A República.
Livro IV, p. 124)
Estamos
viciados no que não precisamos e buscamos dinheiro, iludidos que sairemos
incólumes de tão grande ato de irresponsabilidade e hipocrisia para com as
normas saudáveis de nosso próprio lar. É preciso um exame de consciência sóbrio
voltado para uma solução que virá de cada indivíduo e culminará apenas quando a
informação verdadeira alcançar a massa crítica da humanidade. Jamais deixaremos
o estado de barbárie enquanto usarmos um sistema econômico obsoleto e
contraproducente, baseado no valor da escassez, como nosso corpo social. Além
de ser um atentado ao funcionamento dinamicamente equilibrado de nosso único
planeta.
Se o nosso sistema
continuar sem modificação quanto a despreocupação ambiental e social, teremos
de enfrentar um colapso econômico e social do nosso sistema monetário e
político. Quando isso ocorrer, o governo provavelmente vai decretar estado de
emergência ou lei marcial para impedir o caos total. Eu não defendo isso, mas
sem o sofrimento de milhões de pessoas, pode ser quase impossível de abalar
nossa complacência com nossas praticas atuais de vida. (FRESCO, 2002. pág.11).
O prognóstico
Somente
um médico de sistemas econômicos realmente versado no assunto poderá dizer
quais as esperanças e por quanto tempo mais sobreviveremos um colapso em
cadeia, um ataque do coração planetário se continuarmos brincando de ser
adultos maduros e responsáveis. Se continuarmos “fumando” diariamente nossas
oportunidades de entender o cenário presente e sugerir caminhos diferentes
educando mais e mais gente, e buscando colaboração para uma visão que deve ser
melhorada constantemente, viveremos um tsunami de descontentamento que nem o
príncipe de Maquiavel poderá controlar na pessoa de seu príncipe. O coletivo da
humanidade será o mais atingido já que é de sua indiferença que todas essas
doenças se originaram. Talvez seja mesmo a opinião nossa maior doença. Achar
que sabe e infantilmente viver debaixo de um teto desprovido de conhecimento
matemático e bases sólidas que garantam o mínimo de segurança aos seus
habitantes.
Sócrates — Afirmaremos, pois, que as pessoas que enxergam muitas coisas
belas, mas não apreendem o próprio belo e não podem seguir aquele que gostaria
de guiá-las nessa contemplação, que enxergam muitas coisas justas sem verem a
própria justiça, e assim por diante, essas pessoas, diremos nós, opinam sobre
tudo, mas não sabem nada a respeito das coisas sobre as quais opinam.
Glauco — Necessariamente.
(PLATÃO. A República.
Livro V, p. 188)
Assumir
responsabilidade é o fator inicial para que possamos nos localizar e encontrar
um meio de resolvermos o impasse que a todos acomete indistintamente. O Método
científico, ao que tudo indica, pode ser a saída mais lógica para nossas
controvérsias e distinções religiosas, filosóficas e políticas quando aplicado
para o interesse social. Ora, isso permitira o raciocínio humano um ensaio mais
profundo em sua exploração do desconhecido para quem sabe desvendar
problemáticas que hoje pertencem ao campo da crença. Aqui o prognóstico: o
método científico aplicado no interesse social. Através da curiosidade podemos
abrir mão do que acreditamos saber ou aprofundarmo-nos mais no que interessa a
todos. A experiência que nos direciona às evidências contrastadas com nosso
conhecimento global sobre determinado assunto quando apurado pela tecnologia
mais avançada nos iluminara o caminho para maiores descobertas. Ao partir de
uma teoria passando pela observação considerando as ferramentas da lógica e da
razão, praticaremos constantemente o ato de fazer ciência com a dignidade de
utilizar do conhecimento a serviço de todos. Sistematizando os funcionamentos
da natureza e compreendendo as leis que regem-na replicaremos a uma só vez,
eficiência, beleza e sustentabilidade numa plataforma despojada de pretensões e
interesses pessoais onde a caridade universal independente de credo ou
discernimento beneficiará a todos.
Em uma economia baseada em recursos, motivação e
incentivo serão encorajados através do reconhecimento e preocupação com as
necessidades dos indivíduos. Isso significa fornecer o ambiente, instalações
educacionais, boa nutrição, cuidados de saúde, amor e segurança que as
(necessidades reais das) pessoas exigem. (FRESCO, 2002. pág. 38). [Tradução
Jefferson Viscardi].
A
tendência de tudo é evoluir e o progresso da humanidade não poderá ser detido
por muito tempo para servir interesses desta ou daquela minoria pois não há
como interromper o fluxo natural assim como é lei na natureza. Viver, comer e
procriar não são mais as preocupações que ontem nos definiram e hoje nos condenam
ao atraso. O impossível e o normal são apenas definições que se distinguem por
um espaço de tempo que a cada século tende a diminuir consideravelmente. A
perfeição existente nos domínios da natureza nos ensina a buscar o equilíbrio
em seu seio fértil fazendo de nossa criatividade instrumento de respeito ao
próximo com produções que representem a grandeza do dom de humanidade bem
aplicado no serviço da caridade desinteressada. Amanhã, neste futuro que
construirmos o mais pobre de hoje será mais bem colocado e instruído que o mais
rico de nossos tempos. Este é o presente que a união nos oferecerá.
O
atual estado tecno-científico da humanidade não é utilizado ou sequer conhecido
por todos pois, como mencionamos, vivemos em um regime de suportabilidade e
tudo o que é criado deve permanecer em segredo para não ser copiado e
possivelmente utilizado contra seu criador. Depois, o maior objetivo e temas
desenvolvidos giraram em torno de armamentos de guerra e desunião. Energia é o
recurso fundamental para dar movimento na transformação e desenvolvimento, seja
em tecnologia, seja na própria natureza.
Quando a educação e recursos estiverem disponíveis para todos, sem uma
etiqueta de preço, não haverá limite para o potencial humano. Com estas
alterações importantes, as pessoas vão viver vidas mais longas e saudáveis
mais significativas. A medida do sucesso será cumprir atividades individuais
satisfatórias, em vez de adquirir riqueza, propriedade e poder. (FRESCO, 2002.
p.41). [Tradução Jefferson Viscardi].
Já
temos capacidade de converter energia térmica do oceano através das mudanças
das marés e movimentos das ondas, as pipas submarinas. Depois temos a
inteligência da conversão através de painéis fotovoltaicos. Outra forma é
substituir o asfalto em rodovias, ruas e estacionamentos pelas placas solares,
protegidas por vidros blindados. Energia eólica. Já aprendemos a dessalinizar a
água do mar (só falta interesse para investimento). O mesmo potencial para
abundância e solução de problemas técnicos pode ser visto nos mais variados
campos, como medicina, ecologia, robótica, segurança, higienização, etc. Ou
seja, uma sociedade saudável usa máquinas para realizar trabalhos técnicos
repetitivos, e não pessoas. Disso calcula-se que apesar de a ciência poder
trazer um mundo mais justo e melhor para todos, o método científico será apenas
bases renovadoras sobre as quais revisitar nossos problemas filosóficos sem o
filtro da precariedade generalizada que podem nos estar tolhendo lucubrações
mais elaboradas e reveladoras.
Não
estaria Platão correto quando inspirou seus leitores a construir uma sociedade
onde cada qual faz conforme suas habilidades reconhecendo que é uma peça muito
importante no mecanismo que mantém viva e saudável sua respectiva pátria, que
aqui, no nosso caso, é o planeta todo? Diferente de suas limitações, não
teríamos a necessidade de um guardião guerreiro. Apenas a filosofia, ou seja o
amor pelo conhecimento aplicado de maneira justa e bondosa haverá de nos bastar
quando decidirmos utilizar todo nosso cabedal de conhecimentos adquiridos em
todos os campos da ciência para realmente sanar e prever nossos problemas de
maneira responsável e interativa. Isso não me parece utopia mas talvez, a única
saída coerente.
Sócrates — Pois! Concordais agora que as nossas ideias concernentes ao
Estado e à constituição não são simples utopias, que a sua realização é
difícil, mas possível, de alguma maneira, e não de modo diferente do que foi
dito? Que, quando os verdadeiros filósofos, quer vários, quer apenas um, tomados
senhores de um Estado, desprezarem as honras que ora procuram, considerando-as
indignas de um homem livre e desprovidas de todo valor, fizerem maior caso do
dever e das honras, que são na verdade a sua recompensa e, considerando a
justiça como o bem mais importante e mais necessário, servindo-a e trabalhando
para a sua prosperidade, organizarão a sua cidade de acordo com as leis? (PLATÃO.
A República. Livro VII, p.
253).
Uma
atividade voltada para o próprio bem é uma atividade voltada para o bem do
próximo, pela sinergia que existe na troca de conhecimentos quando há ou não
reciprocidade pois atividade colaborativa dirigida de forma informada e
despretensiosa enobrece o ambiente a nossa volta que em troca nos enobrece a
todos.
Primeiro
reconhecemos nossa doença mental, depois buscaríamos nos tratar abrindo canal
de informação apenas com meios honestos de formação que respeitem e incentivem
o pensamento independente e soluções que beneficiem todos de igual maneira.
Depois em grupo de pessoas afins trabalharíamos no desenvolvimento e
melhoramento de ideias que pudessem erradicar inconsistências originadas de
vícios humanos concentrando-se apenas em erros e acertos de cálculos.
Avançados sistemas sociais não necessitam de cientistas
ou governos para dizer-lhes como operar. A autoridade para a tomada de decisão
final representará a expressão de toda a humanidade. Essa visão de ciência
aplicada pode servir o bem comum, um objetivo que iludiu a civilização humana
há séculos. Embora esta revolução ainda está em grande parte, no futuro, a
possibilidade de uma vida melhor para todos os habitantes do nosso planeta
depende, em última análise, das escolhas que fazemos hoje. (FRESCO, 2002. p.
51). [Tradução Jefferson Viscardi].
Ao
substituir sua dependência individual de processos políticos irrelevantes pelo
avanço tecnológico o homem de filosofia, o homem civilizado se encontraria
inclinado a institucionalizar eficiência, sustentabilidade e abundância nos
assuntos da humanidade como ordem do dia e necessidades básicas. A coerência
nas práticas científicas entre a necessidade e o recurso mais apropriado é
estabelecida pela natureza, portanto, está acima de qualquer opinião humana.
Nosso objetivo como indivíduos é o mesmo como espécie: viver o máximo possível,
com a melhor qualidade de relações entre si e com tudo e todos. Evitar a dor e
prolongarmos a satisfação encontrada no serviço ao próximo e o crescimento
pessoal respeitando o planeta.
Quando
buscamos teorizar e praticar nossa razão da forma mais abrangente possível,
temos o que podemos chamar de generalismo. Ou seja, temos que conceituar a
relação do animal humano entre os indivíduos de sua espécie e no modo como ela
se relaciona com seu meio. Ao que poderiamos chamar também de uma teoria da
unicidade. Ora, se todas as células sociais estão inter-relacionadas, qualquer
sintoma de doença só pode ter uma única causa: o todo está doente.
A
culpa recai no organismo maior, a humanidade. Se sabemos e compreendemos de
forma generalista, entendemos que os únicos culpados somos nós mesmos. Trata-se
da ferramenta que permite o diagnóstico desta esquizofrenia social que
sofremos. Uma vez que esta tecnologia científica está à disposição, podemos
assumir a doença que sofremos. O tratamento para a cura é aquilo que chamamos
de processo de transição. A cura, por assim dizer, é a civilização em si.
Eficiência, sustentabilidade e abundância.
Como
Carl Sagan (1997. p. 28.) afirmou:
Nós organizamos uma
civilização global em que os elementos mais cruciais - o transporte,
comunicações e todas as outras indústrias: agricultura, medicina, educação,
entretenimento, proteção do ambiente, e até mesmo o elemento-chave da
instituição democrática do voto - dependem profundamente da ciência e da
tecnologia. Também organizamos as coisas de um modo que quase ninguém entende
ciência e tecnologia. Esta é uma receita para o desastre. Podemos conviver com
isso por um tempo, mas cedo ou tarde essa mistura inflamável de ignorância e
poder vai explodir na nossa cara.
Sagan2
afirma que após uma análise das suposições de uma nova ideia ela deve
permanecer plausível, e então ser reconhecida como uma suposição. O pensamento
cético é uma maneira de construir, entender, racionalizar e reconhecer
argumentos válidos e inválidos, e prová-los de maneira independente. Ele
acreditava que a razão e a lógica devem prevalecer a favor da verdade. Através
desses conceitos, os benefícios do pensamento crítico e a natureza
"auto-corretiva" da ciência emergiriam. É o que mais nos falta hoje.
É
preciso tornar-se ciente do todo e do potencial existente em unir esforços já
que todos temos o mesmo propósito. o estado de civilização, assim como o
processo de transição, é diretamente dependente do quanto ampliamos a
consciência de nossa espécie acerca dos problemas que enfrentamos, dos sintomas
que sofremos, do método científico como uma forma universal de resolvermos
nossas vidas, e de que somos todos interdependentes como espécie e aos
processos da natureza. Temos que encarar os indivíduos como aquilo o que eles
realmente são: células sociais de um só organismo. Somos todos miseráveis,
quando comparado ao que já poderíamos fazer no estado de civilização.
Sócrates — [...] De fato, devemos sempre afirmar
que o útil é belo e que só o nocivo é vergonhoso.
Glauco — Tens toda a razão.
(PLATÃO. A
República. Livro V, p. 158).
A
doação, juntamente com uma disseminação de educação relevante, progressivamente
diminui a importância dada pelo dinheiro. Falamos inicialmente do despertar da
consciência na sociedade global que desenganada com o caos que se fez vítima
anseia uma solução, e termina por auxiliar uns aos outros progressivamente.
Diminui os gastos desnecessários evitando desperdícios, compartilha seus
recursos e doa sua habilidade. Boicota toda forma de irrelevância. Caridade e
solidariedade são sentimentos que já se fazem presentes nos atos e negociações
e uma ética interna generalizada direciona nossas ações até alcançar a massa
crítica que cuidará do restante.
Na
busca por uma situação mais confortável ela naturalmente gravitará para as
organizações sérias de histórico coerente com a direção que pretender dar para
a espaçonave Terra que pilotam diariamente, já não mais inconscientes a esta
altura. Encontraremos assim o Projeto Venus, que nos cabe citar, mesmo que de
maneira breve por sua pertinência ao nosso assunto.
Concretizando a
proposta
O Projeto Vênus é uma proposta social de
toda uma vida de estudos do cientista Jacque Fresco. Propõe entender as causas
das falhas da sociedade, em prover uma vida integralmente plena a todos, e
superar isto com uma metodologia coerente com a atual capacidade de
gerenciamento de recursos.
Para
resumir o estado de nossa sociedade ao alcançar por merecimento o adjetivo de
civilizada destaco alguns deles, (ensinados verbalmente pelo senhor Jacque
Fresco em vários locais públicos que não se encontram documentados), listo os
mais evidentes:
1) Recursos são de todos. 2) Foco bem-estar e
crescimento humano. 3) Países são culturas diferentes mas uma só nação. 4) Todo
problema verdadeiro é problema geral. 5) Senso de propriedade torna-se
obsoleto. 6) Não há necessidades inventadas. 7) Não há trocas em uma sociedade
baseada em recursos, tudo é de todos. 8) Não há hierarquia entre os recursos.
(Se algo fica escasso aprende-se usar outro material para o mesmo fim). 9) A
mecanização torna o trabalho humano para produzir bens desnecessários logo tudo
é gratuito. 10) O homem é livre para desenvolver o seu talento e trabalhar no que
gosta quando se sentir inspirado. 11) Prejudicar a abundância não faz sentido
se todos tem tudo. 12) Sem a necessidade de empregos, não há limites para a
automação. 13) Dominação da medicina preventiva. 14) Educação de ponta e
igualmente relevante a todos é constante. 15) Monitoramento planetário dos
recursos. 16) Capacidade de carga do planeta é respeitada naturalmente. 17)
Problemas são antecipados: ex. Catástrofes. 18) Cidades são circulares pela
praticidade. 19) O fim do desperdício. 20) Noção de utilidade é a diretriz
prioritária de qualquer projeto. 21) Vida útil prolongada de tudo, ao máximo.
22) Compatibilidade universal (inter-cultural). 23) Auto-correção,
auto-higienização e auto-manutenção. 24) Mecanismos de autoreciclagem total
embutido. 25) Recursos escolhidos: os mais eficientes. 26) Transporte gigantes,
feitos em partes montáveis miniaturizadas. 27) Tempo: é recurso a ser poupado.
28) Não existe ameaça de escassez: roubo, usura alheia, qualquer prejuízo. 29)
Sistemático uso de computadores torna-se óbvio. 30) Desenho e textos todos
corrigidos e melhorados automaticamente. 31) Não há debates de opiniões, votos,
eleições, leis, congressos, disputas por recursos, orçamentos financeiros,
hierarquias, ofensas pessoais, corrupção, fraude, guerra, torturas,
espionagens, patentes, exploração subumana, roubo, egocentrismo, inveja,
preconceitos, e outras perdas de tempo. Há apenas o método científico aplicado
aos problemas sociais com o auxílio sistematizado dos processadores da
computação conectados mundialmente aos processos econômicos baseados em
recursos. Tudo à disposição de todos os terráqueos. 32) Toda doença é um
desafio mundial a ser sanado matematicamente. 33) Não há punições apenas
cooperações mutuas. 34) Moradias, expressões diretas da subjetividade de seus
ocupantes. 35) Transporte a prova de impacto e para todos. 36) Alimentação
abundante, culinária específica em qualquer lugar. 37) Vida sem horários
definidos cidade não atormenta horários individuais. 38) Hortas verticais,
prédios herméticos. 39) As qualificações: faxineiro, mecânico, operador de
caixa, empacotador, motorista, manobrista, vigilante, segurança, policial,
lixeiro, gari, carteiro, entregador, pedreiro, carpinteiro, pintos, bombeiro,
operador de máquinas em geral, cozinheiro, garçom, jardineiro, secretário,
recepcionista, auxiliar de escritório, estagiário, estoquista, vendedor,
operador de telemarketing, atendente de comércio, gerente, diretor,
proprietário e muitas outras deixarão de existir.
Em
outras palavras: é uma organização que promove as visões do futuro de Jacque
Fresco através de um web site e pela distribuição de vídeos e literatura. Tem
como objetivo melhorar a sociedade pela construção cidades sustentáveis, a
utilização de energia de forma eficiente e a gestão dos recursos naturais da
Terra usando automação avançada, focando nos benefícios à sociedade e de nosso
planeta. Antes porém de que qualquer movimento de redefinição de nossa
sociedade aconteça no mundo material, é preciso que o ser humano reconheça
através da conscientização individual que somos todos células de um mesmo corpo
e que se não agirmos em unidade de nada adianta nosso avanço pois continuaremos
a destruir uns aos outros indefinidamente até que a morte nos separe.
Desde
fins da Idade Média, a Filosofia Política e os pensadores tratam das mais
variadas questões sobre a legitimação e a justificação do Estado e do
governo: os limites e a organização do Estado frente ao indivíduo, as
relações gerais entre sociedade, Estado e moral; as relações entre a economia e
política; o poder como constituidor do "indivíduo"; as questões sobre
a liberdade; as questões sobre justiça e Direito e as indagações sobre
participação e deliberação; das questões sobre a contingência, liberdade e
solidariedade na acepção do declínio da verdade redentora e ascensão da cultura
literária, etc., como mencionei anteriormente, e entre opiniões, erros e
acertos, não somente os melhores caminhos descobertos foram ofuscados pelo
interesse no lucro de quem pôde mais nas diversas épocas da nossa história no
campo científico mas no filosófico também. É como se fora do interesse não
houvesse salvação ou melhor, evolução de uma teoria que fosse bela, justa e
imparcial.
Sócrates — Depois de termos compreendido tudo
isto, diz me: é possível que a turba admita e conceba que o belo em si mesmo
existe, uno e distinto da multidão das coisas belas e que a essência das coisas
é simples, uma e indivisível?
Adimanto — De forma alguma.
Sócrates — Por conseguinte, é impossível que o
povo seja filósofo.
Adimanto — Impossível.
(PLATÃO. A
República. Livro VI, p. 282).
Além
das limitações relativas as impossibilidades quanto a termos uma multidão
predisposta a conceber o belo e a praticidade factual que poderá nos
proporcionar uma união e investimento das ciências com fins comuns, não deveria
haver motivos para se produzir e consumir produtos ineficientes, irrelevantes
para o avanço, obsoletos ou mesmo inúteis.
Há
sem dúvida muitos indivíduos que se interessam pela filosofia, pelo amor ao
conhecimento, que são amigos da sabedoria. Como não podemos depender da
multidão pois é medíocre (pela natureza própria do ambiente cultural), podemos
ficar certos que o remédio é assumir a responsabilidade individual de produzir
o máximo que pudermos com as ferramentas que fomos lapidando para nós mesmos no
campo do entendimento mais amplo da realidade, para aplicar nos nossos
relacionamentos conhecendo bem as motivações que giram as rodas da fortuna
ambiciosa na busca de cauterizar esta e outras feridas que tanto doem no corpo social
de nossa humanidade.
Conclusão
Concluímos
que vivemos muito abaixo de nosso potencial por não reconhecer o erro de querer
continuar perpetuando um sistema que já não comporta a civilização que nos
tornamos. Tudo é passível de modificações e reformulações que adequem o que é
produção com as habilidades e necessidades de quem tem capacidade de criar (a
raça humana) transformando pelo ato inteligente o ambiente a sua volta. É
irracional tomar por saudável práticas que destroem as possibilidades de toda
uma raça de viver em harmonia com o meio ambiente e entre suas nações.
A
política há muito se tornou obsoleta já que seus propósitos se transviaram e
seus clientes poderosos a deturparam. Um condicionamento voltado para a exortação
dos prazeres imediatistas, do entretenimento exagerado somado a uma educação
relevante tornou paternalista, quasi-facista os governos do mundo, sobretudo os
que conduzem as chamadas superpotências por razões óbvias. Nossa ciência ao se
ocupar de ouvir mais o patrocinador que suas reais capacidades, brinca de
alavancar o progresso e seus artífices se contentam em viver uma vida às
sombras de seus respectivos potenciais. Esta emancipação que nos cabe só poderá
ocorrer a custa da reformulação das práticas de mercado de oferta e procura já
ultrapassadas (que seguem o padrão da obsolescência planejada), e quando estas
práticas aberrantes forem substituídas por uma ética interna de respeito às
conquistas mais recentes da moral e do intelecto humano.
Sócrates — Enquanto os filósofos não forem reis
nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem
verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder político e a filosofia não
convergirem num mesmo indivíduo, enquanto os muitos caracteres que atualmente
perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo não forem impedidos de
agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem, conforme
julgo, os do gênero humano, e jamais a cidade que nós descrevemos será edificada.
Eis o que eu hesitava há muito em dizer, prevendo quanto estas palavras
chocariam o senso comum. De fato, é difícil conceber que não haja felicidade
possível de outra maneira, para o Estado e para os cidadãos.
(PLATÃO. A
República. Livro V, p. 179-180).
Uma
economia baseada em recursos é o destino da organização sociopolítica
contemporânea pois que contemplará o homem em sua prosperidade como ser digno
de viver conforme a constante mudança e progresso que lhes são característicos
adquirindo cada vez mais maior conhecimento pelo amor à sabedoria e respeito
pelas riquezas existentes na prática da cooperação e amizade. Um planeta
pacífico que contempla as diferenças de suas nações e exalte suas respectivas
capacidades e habilidades individuais, incentivando-as será certamente o ponto
de chegada onde um recomeço nos aguarda para que seja, finalmente, escrita a
história que nossos antepassados apenas entreviam nas suas palestras e seus
discursos filosóficos.
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FULLER Buckminster. Operating
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Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
SAGAN, Carl. O mundo
assombrado pelos demônios - ciência vista com uma vela no escuro. trad.
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Acessado em: 24 Nov 2011.
PACKARD,
Vance. The Waste Makers. United
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